Hoje acenderam as luzes na rua, após anos de penumbra e meses de obras e expetativas. É a melhor rua da cidade porque, de um lado, tem uma varanda para a ria e, do outro, um tapete de relva verde em forma de anfiteatro onde todos os dias se põe o melhor pôr do sol do mundo.
Finalmente a Ria tem papel principal na cidade e os cidadãos podem usufruir do seu protagonismo. É assim na Rua da Pêga! Uma rua larga, luminosa e transparente. Ao longo do seu quilómetro de extensão, a pé ou de bicicleta, somos acompanhados por patos voadores, garças, pernilongos e os irresistíveis flamingos brancos e cor de rosa. Que privilégio este de ter a natureza à porta da cidade!
A reabilitação da rua devolveu à cidade um espaço privilegiado de fruição, de lazer e bem-estar. Passeios largos, áreas de descanso e de atividade física e uma via ciclável proporcionam qualidade de vida e a humanização do espaço público. Ali os automóveis encolhem pelo espaço mais estreito que passaram a ter e pela baixa velocidade a que são obrigados a circular. Ali as pessoas, a pé e de bicicleta, estão no centro das atenções e quando se sentem seguras, sobretudo ao fim de semana, ocupam a rua, tomadas por um sentimento de liberdade que lhes permite dizer verdadeiramente que aquele espaço é seu!
E porque não haverá de ser assim sempre? Uma rua inteira só para pessoas! A Rua da Pêga e outras ruas da cidade? Por que razão não reivindicamos o nosso direito a ocupar o espaço público, a pé ou de bicicleta, na mesma medida dos nossos concidadãos que o utilizam de carro? Por que razão as ruas se abrem e se alargam para que os carros circulem e ocupem estacionamentos, vias e até passeios e por que razão essas mesmas ruas não se fecham para que, por um dia, os carros possam deixar livre o espaço que é de todos nós?
Sabemos bem o que estes tempos de incerteza e adaptação nos têm dito: precisamos mais uns dos outros, precisamos de ser mais resilientes, queremos estar próximos, mas temos que manter a distância. Precisamos de nos reconciliar com o mundo e com a natureza. Precisamos que o local onde vivemos e onde vemos crescer as nossas crianças seja mais humano e mais colorido. Vamos voltar à rua, mas em liberdade e segurança. Vamos reforçar os laços com a nossa rua e com os nossos vizinhos. Vamos encontrarmo-nos por aí e conversar. Vamos à loja da esquina como fazíamos com a nossa avó. Durante um dia. A rua ser só das pessoas. E se gostarmos?
Maria Miguel Galhardo
Publicado no Diário de Aveiro a 27Março 2021